sábado, 28 de fevereiro de 2009

Volta às aulas

Pais cobram preparo de profissionais, estrutura física adequada, materiais e apoio de escola especial para permitir a inclusão em escola regular

O início do ano letivo nas escolas da rede municipal de São Paulo deve contar com um número maior de crianças deficientes nas salas de aula, graças a ações de incentivo do governo em prol da inclusão. Contudo, pais de crianças deficientes vivem o dilema da falta de preparo dos profissionais, de materiais, de equipamentos e de estrutura física das escolas regulares e temem, sobretudo, o abandono e a regressão no desenvolvimento pela falta de compromisso com as necessidades individuais de cada criança.
Sabe-se que o país tem mais de 24,5 milhões de deficientes, dos quais 11,6% são crianças e jovens entre zero e 17 anos. Do total da população com deficiência em idade escolar, apenas 24,6% estão matriculados em classes regulares e especiais, segundo um estudo do MEC/Inep. Para melhorar estes números, e sob o argumento de favorecer a inclusão, órgãos ligados à educação têm tomado medidas que buscam forçar as famílias a matricularem suas crianças deficientes nas escolas da rede pública.
No plano municipal, a atual política de inclusão educacional da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo determina que toda criança com deficiência deva se cadastrar junto ao CEFAI - Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão, sob pena de as instituições de educação especial, conveniadas com a secretaria, e que atendem suas necessidades pedagógicas e terapêuticas específicas, deixar de receber o repasse de verba da prefeitura.
Na avaliação dos pais, mais crianças deficientes na escola regular não é garantia da inclusão educacional e social. Falta de estrutura física e de salas adaptadas, despreparo do professor, currículo não adequado às condições da criança, ausência de cuidador, de materiais pedagógicos adequados e de monitoramento são algumas das carências que a escola regular enfrenta para educar a criança deficiente e que têm assombrado os pais desde que o cadastro lhes foi imposto, a partir de 2007.
"Como a escola não tem profissionais, não tem sala adaptada, rampa de acesso e gente preparada, eu tenho de ficar junto com meu filho. Pergunto se é justo o governo transferir esta responsabilidade para as mães?", questiona Simone Silva de Souza, mãe de João José (7) que tem problema motor e deficiência auditiva.
Há ainda casos em que a inscrição no CEFAI não dá garantia de vaga em escola regular, nem contempla o direito à freqüência diária às aulas, assim como os demais alunos têm.
Enquanto na escola especial o aluno freqüenta três vezes por semana, com um repasse de verba da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo de R$ 180 por aluno, um projeto do governo prevê destinar à escola regular o equivalente ao dobro do recebido pela escola especial. A proposta, que deverá ser implantada já a partir de 2010, ainda precisa ser aprovada.
Na prática, a inscrição de cada criança deficiente deve ser acompanhada de um laudo de saúde apenas. Sem considerar as necessidades individuais de cada criança e o que deve ser providenciado para a escola regular se comunicar com ela, a proposta de inclusão corre o risco de ser uma armadilha, avalia a diretora da ADefAV-CRIFES e também consultora do Programa Hilton Perkins para a América Latina, Maria Aparecida Cormedi. "Cada criança tem uma necessidade especial que requer atendimento personalizado, e o laudo educacional feito pela educação especial poderia contribuir neste processo", defende Cormedi.
Assim como a especialista, outras mães estão indignadas com a situação que a lei lhes têm imposto. "Se a lei obriga a criança a ir para a escola, acreditamos que é dever do Estado oferecer as condições ideais para que isto aconteça", defende Emedice Maria Ferreira da Silva, mãe de Airton Sena (7), que tem deficiência auditiva e visual e freqüenta a ADefAV-CRIFES desde os 2 anos.
Este tipo de situação decorre, ao ver da família, do caráter genérico da lei de inclusão, que não leva em consideração os tipos de deficiência. "Uma criança cega e com deficiência múltipla não tem as mesmas necessidades de um deficiente físico. A lei não contempla medidas para serem aplicadas de acordo com o grau de deficiência de cada pessoa. Para ser eficiente ela deveria passar por ajustes", defende Júlio César Kushida, pai de Júnior (8) que tem séria deficiência múltipla.
Solução
Em decorrência das novas regras, a AdefAV-CRIFES, instituição especializada no atendimento a crianças surdocegos e deficientes múltiplos, desde outubro já sofre com a redução de 80% da verba repassada pelo governo. Não só porque muitos pais deixaram de fazer a matrícula de seus filhos na escola regular, como em função da mudança de critério do órgão municipal de educação, que excluiu de seu orçamento o repasse à entidade pelo atendimento de crianças abaixo de 3 anos e acima de 14.
A valorização da escola especial e dos Centros de Recursos pela regular pode ser a chave do sucesso no processo de inclusão da criança deficiente, defende Cormedi. "A ADefAV/Crifes pode treinar profissionais da escola regular e dar orientações sobre o plano educativo desta criança, através da renovação de convênios e enviando profissionais especializados para apoio, enquanto entidade especializada na capacitação e formação de profissionais para o atendimento do aluno surdocego e com deficiência múltipla", afirma.
Na opinião de pais e especialistas, enquanto não for implantada uma avaliação individual das condições de aprendizagem, estágio de evolução e dificuldades da criança será impossível fazer a inclusão responsável do deficiente. "O aluno tem de ser tratado como igual, mas suas necessidades são diferentes. Só quando as políticas públicas priorizarem a qualidade em detrimento dos números é que poderemos falar de sucesso da inclusão educacional no Brasil", finaliza Cormedi.
Sobre a ADefAV-CRIFESA
ADefAV-CRIFES - Centro de Recursos para a Inclusão na Família, Escola e Sociedade é uma organização filantrópica reconhecida no terceiro setor pelo trabalho que desenvolve em prol da inclusão na família, escola e sociedade de crianças, jovens e adultos com surdocegueira e deficiência múltipla. Fundada em 1983 e situada em São Paulo (SP), a ADefAV-CRIFES também é reconhecida pelas consultorias e cursos de capacitação pedagógicos e terapêuticos que desenvolve para profissionais e comunidades brasileiras e latino-americanas, com o apoio técnico do Programa Hilton/Perkins para a América Latina, da Perkins School for the Blind (EUA). www.adefav.org.br

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